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Poesia: Os últimos pontos de minha mãe

Eu chegara apressada em casa aquela tarde Correndo, aproximei-me de mamãe

E com Alarido, a fremir de entusiasmo e regozijo

Dei-lhe a noticia, Alvissareira,

Do aniversário de Letícia

A amiga dedicada e boa companheira de estudos

"Mamãe", fui convidada

A ir também à festa.

Como não tenho roupa apropriada

Só me resta esperar que a senhora,

Apronte sem demora a blusa escocesa que vovó me deu.

Ficaria muito bem com a saia de lã

Brilharei com certeza

Na festa de amanhã!

Mamãe olhou-me, suave como sempre

E apenas suspirou.

Notei em seu semblante uma expressão de dor,

De doença e fadiga

Que ela sempre amiga

Procurava ocultar num sorriso de amor.

Saí a preparar as minhas lições,

Depois fui ler histórias no jardim

E quando a tarde chegava ao fim,

Fui ver se o meu pedido

Já fora atendido.

Na sala quase escura

Avistei a costura

Dobrada com cuidado

Junto á máquina,

Ao desdobrá-la

Indiscutível foi meu desagrado

Apanhei o trabalho bruscamente

E fui apresentar à mamãe que na cozinha

Ultimava o jantar.



Meu rosto bem traia

O que eu sentia

"Mamãe disse-lhe então

Eu lhe agradeço

A atenção que não mereço

Mas se a senhora não se incomoda

Digo-lhe agora

Que não gostei da blusa.

A senhora bem vê que não está na moda;

Mamãe olhou-me o rosto descontente

Todavia, não teve, o olhar de quem acusa

Mas sim o merencório olhar de uma doente.



Logo depois do jantar, eu a vi caminhar

Com passos arrastados

Para junto da máquina.

Seu rosto tornara-se macilento

E a costura tremia em suas mãos por um momento

Tristeza estranha me invadiu a alma

Senti quão rude fora, entretanto, o orgulho e a vaidade

Aniquilavam logo aquele sentimento

Que seria talvez de piedade

Ou uma espécie de arrependimento,

No outro dia, cedo ainda,

Mamãe com fraca voz se pôs a me chamar.

Estranhei; fui ao quarto dela correndo

E lá bem junto ao leito pude ver,

Á frouxa luz da vela.

A blusa que mamãe estivera a fazer

Querida: disse ela, estou muito doente,

Entretanto ainda hoje espero levantar

E então darei os derradeiros pontos, alguns somente

Para a blusa terminar

Será que agora vais ficar contente?

Seu rosto iluminou-se docemente

Ao proferir as palavras últimas que de mamãe ouvi

Pois naquele mesmo dia

Quando no acaso o sol em agonia

Descansava do mundo e sua lida

Aquela que era o sol de minha vida.

Muito chorei arrependida de ter sido tão exigente

Em minha vaidade desmedida e hoje ainda

Choro amargurada ao contemplar a blusa inacabada

Onde está presa a agulha enferrujada

Com os derradeiros pontos que mamãe nunca mais deu!




Colaborador: Paulo Geovane